Arte resgata idosos do isolamento
Projeto no Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) promove convivência e estimula memória dos participantes
Fabiane Leite
Rinocerontes são fortes, de pele rugosa, pesadões, acinzentados. Mas em uma exposição do Museu Brasileiro de Escultura (MuBE), em São Paulo, em que se transformaram em toy arte, são coloridos, macios e ganharam asas. Na manhã da última sexta-feira, foram mais longe: povoaram momentos engraçados e evocaram lembranças nas seis atentas apreciadoras da arte, parte delas vítima de doenças que apagam as memórias, confundem o dia e relegam muitos idosos ao isolamento e à tristeza. A inspiração das arte-terapeutas Cristiane Pomeranz e Juliana Naso, que criaram o Faça Memória, veio de Nova York, onde o MoMA, museu de arte moderna, desde 2004 usa o próprio acervo em reabilitação de pessoas com Alzheimer. Mas no MuBE a proposta recebeu adaptações. O atendimento (pago, R$ 180 a mensalidade) não se limitou à doença. Ele abriu espaço para outras demências, idosos com pequenos déficits de memória e mesmo para quem só queira estimular as áreas do cérebro que guardam nossos registros. Já a arte apreciada é a das exposições do próprio museu, o que faz os temas para discussão mudarem com frequência, permitindo que as manhãs do projeto entrem na rotina dos idosos. Não se trata de um tratamento, mas uma oportunidade de estimulação cognitiva, convívio social e melhora da qualidade de vida que tem se tornado regra. "Muitos aqui ficavam em casa", diz Cristiane. "Não tinham rotina, uma atividade semanal." E ficar em casa e não ter rotina é tornar o envelhecimento vazio e propenso às doenças - ou à piora de algumas delas. "É preciso ter projeto, pequenos e grandes projetos", diz Juliana.A reunião das seis apreciadoras de arte, algumas perto ou depois dos 80 anos, começou com um café. O grupo contou o que fez no Carnaval. Logo depois, veio um texto, com detalhes sobre o rinoceronte. Apareceu ali a história de tchiluanda, "pequeno passarinho africano que lhe cata os carrapatos da carcaça e das orelhas e o avisa da proximidade de inimigos". Tchiluanda, ainda explicava o informe, guia os rinocerontes "às doces colmeias", segundo lendas africanas. Começou então o passeio e a conversa sobre a Expo Toy Rhino, parceria de uma revista e de uma marca de roupas que mobilizou artistas brasileiros para fazer arte sobre rinocerontes de vinil."É o abre alas da avenida", opina Ernestina, que veio acompanhar a irmã, diante de um dos primeiros "rinos", modificado com folhas vermelhas e uma maçã no chifre. "Será que os animais gostariam de ser tratados assim?", insiste Lucita, pedagoga aposentada. Seguem então para o cor de rosa, com um banquinho de praça instalado no dorso. "Lembra um parque", comenta Lucita.Lucia Prado Guimarães da Rocha Frota, de 83 anos, está perdendo a memória por causa da doença e seus nove filhos decidiram registrar tudo. Com a ajuda do cuidador Francisco Pupo, sempre de câmera na mão, montam álbuns de fotos do cotidiano, agenda, calendário, tudo para que Lucita não sofra da angústia de se sentir perdida. "Que coisa linda, ganhei o dia", diz Lucita durante a exposição. "O que acontece aqui cria qualidade de vida para ela", conta Francisco.Enquanto o cuidador fotografa, o grupo de senhoras segue o trajeto para o rinoceronte com asas de avião, outro estampado com triângulos coloridos. No forrado de pelúcia, as regras dos museus são esquecidas: todo mundo pode passar a mão. A ideia, ao fim de cada evento, é associar palavras, histórias pessoas, poesias às imagens. E, na próxima semana, tentar relembrar o que foi visto.No entanto, não há ordem para essas difíceis evocações das lembranças. Durante o passeio, Cristiane lembra do passarinho tchiluanda, lá do início, o melhor amigo do rinoceronte."Na nossa vida tem desses passarinhos. Quem é o seu?", pergunta Cristiane. As respostas das seis senhoras não demoraram: "meu marido", "meu filho caçula", "o meu passarinho são minhas três filhas", "meu sobrinho", "meu neto".
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